Uma das situações mais sólidas e difundidas sem grandes contradições é
a respeito da História da Umbanda. Acredito ser um entendimento
coletivo e muito bem difundido por vários Sacerdotes de alto renomes,
como por exemplo Rubens Saraceni.
A história dessa religião é muito extensa, antecedendo o ano de 1908,
onde muitos colocam como ponto de partida para sua criação, que de fato
o é, mas a sua expansividade antes de chegar até as mãos de nosso
pioneiro e fundador, é incontestável.
Não conheci, ou melhor, ainda não li algo que fosse tão profundo na
história de nossa religião, não só se pautando nos momentos de Zélio
Fernandino de Moraes.
Muito embora se escreve superficialmente sobre nossa religião, isso
já se torna fundamental. É imprescindível que todos os Umbandistas
dominem esse assunto, haja vista ser o play para discutirmos a
Umbanda dos dias atuais e seus rituais, além de ser fato intrínseco a
todos os religiosos, sejam de quaisquer segmentos.
Pois bem, vamos aos fatos que nos são revelados.
“Cidade de São Gonçalo, localizada no estado do Rio de
Janeiro, um jovem de 17 anos se preparava para servir às forças
militares de nossa Nação. Seu nome? Zélio Fernandino de Moraes.
O jovem, de família tradicionalmente Católica, não contava
que sua jornada e missão seria totalmente revertida. Em dado momento de
sua vida, começou a ter alguns “transtornos psicológicos”, começou a
falar sozinho, sonambulismo e entre outros acontecimentos.
Ninguém entendera o porquê daquilo e, prontamente, sua
família pede auxílio para o médico psiquiatra, Dr. Epaminondas, tio de
Zélio.
O pobre Zélio passou por inúmeros exames, testes, porém não
foi encontrado nenhuma irregularidade em sua saúde mental. Não
satisfeitos e àqueles problemas ainda ocorrendo, como católicos que
eram, buscaram o apoio de outro tio de Zélio que era padre. Zélio passou
por vários rituais de exorcismo e rezas, mas nada que o padre realizava
surtia efeitos.
A família, já sem esperanças de melhoras, descobre que na região havia uma benzedeira, a qual incorporava um espírito chamado Tio Antônio.
Sem muita opção e contrariando princípios da doutrina em que seguiam,
buscaram a ajuda da benzedeira e, diante ao espírito de Tio Antônio,
este orientou a Zélio dizendo que seu problema não era caso de médico,
mas sim espiritual. Ainda diz ao jovem que tinha uma missão a cumprir,
mas que logo entenderia isso.
Logo após ouvido os conselhos de Tio Antônio, a família de
Zélio descobre que em Niterói/RJ, havia sido inaugurada uma Federação
Espirita, recorrendo a esta para tentar resolver o “problema” de Zélio.
No dia 15 de Novembro de 1908, Zélio foi encaminhado a
presente Federação Espírita, onde foi colocado à mesa junto a outras
pessoas (médiuns) para que participasse daquela sessão espírita.
Fato intrigante foi que, em dado momento, Zélio, impulsionado por uma força, sentiu a vontade de dizer: “Aqui falta uma flor”.
De forma inconsciente, Zélio se levantou e dirigiu-se até o
quintal da federação, apanhou uma flor, voltou e a colocou em cima da
mesa.
Após o fato, todos muito confusos com a atitude de Zélio, começou-se os trabalhos daquela noite.
*Destaco aqui que o Espiritismo, até muito tempo, considerava os
espíritos que incorporam na umbanda de “pouca evolução”, não os
aceitando. Essa consideração se faz necessária para o fato que vem a
seguir*
Naquele momento, os médiuns que ocupavam a mesa, começam a
ficar com suas expressões mais velhas, um jeito mais humilde e simples.
Ali, manifestavam-se os espíritos de ex-escravos (não se falava em Pretos Velhos ainda),
os quais rapidamente eram “expulsos” pelo dirigente dos trabalhos, pois
dizia que ali não era o local adequado para estarem presentes.
Durante todo esse acontecimento na sessão espírita, Zélio já
estava incorporado com um espírito e este questionou o dirigente do
motivo que expulsaria àqueles humildes espíritos.
Antes de responder o questionamento realizado por àquele
espírito, o dirigente pergunta quem o era, e prontamente responde:
“Caboclo Sete Encruzilhadas, pois para mim não há caminhos fechados”.
Apresentando-se como caboclo, um vidente que ali estava,
questiona-o do porquê suas vestes serem clericais e não de índio. De
forma astuta, o Caboclo responde ao vidente: “O que vês são
restos/resíduos de uma encarnação anterior em que fui FREI GABRIEL DE
MALAGRIDA, queimado na fogueira da inquisição por prever o terremoto de
Lisboa”.
Dali em diante, o Caboclo Sete Encruzilhadas anuncia a vinda
de uma nova religião, onde os espíritos de negros e índios seriam
acolhidos e respeitados. Surge naquele instante a primeira Lei da
Umbanda, como sendo:
“Com quem souber mais, aprenderemos; quem souber menos, ensinaremos e a nenhum renegaremos”.
Então, o dirigente dos trabalhos questiona-o sobre o nome dessa religião e que duvidaria se haveria adeptos a ela.
De forma pacienciosa, o Caboclo diz o nome dessa nova
religião – “UMBANDA” – e complementa dizendo: “Assim como Maria acolheu
seus filhos, a Umbanda acolherá a todos os filhos seus”, e continua,
“Amanhã, na casa de meu ‘cavalo’, às 20 horas, iniciará esse novo
culto”.
Após encerrado a sessão, todos passaram a duvidar. No dia
seguinte, 16 de Novembro de 1908, todos se dirigiram a casa de Zélio
para se certificarem se realmente haveria uma nova religião. Para a
surpresa de todos, o local estava lotado de adeptos, curiosos e
enfermos.
No altar, imagens de santos católicos e ao centro uma mesa
(influência do catolicismo e espiritismo), a qual estava rodeada de
médiuns e auxiliadores. Às 20 horas daquele dia, como ditado por Caboclo
Sete Encruzilhadas, eis a sua manifestação, onde começou a passar seus
fundamentos, explicações, procedimentos e o ritual.
No meio da sessão, o caboclo desincorpora e chega em terra um
outro espírito, um pouco mais idoso e perceptível a sua humildade e
simplicidade. Saiu da mesa e dirigiu-se até um canto da casa onde estava
posicionado o congá.
Tratava-se de um Preto Velho e, inquirido do motivo de não
estar na mesa, responde dizendo: “A mesa é pro sinhô e não para nego”.
Ali estava o símbolo de humildade da Umbanda, Pai Antônio.
Rapidamente solicitou seu cachimbo, sendo ele o primeiro a pedir um
elemento (fumo) dentro do culto da umbanda.
Ressaltamos que, além do fumo, Pai Antônio inseriu a bebida
(marafo) e as oferendas, tudo na forma como preceitua o ritual. É o
primeiro a trazer para dentro de nossa liturgia o Culto aos Orixás, ou
melhor, Devoção aos Orixás.
A partir daquele momento, instituiu-se o ritual da Umbanda.
Foi anunciada no dia 15 de Novembro de 1908 e fundada em 16 de Novembro
de 1908, tratando-se de datas históricas para a nossa Cultura”.
Em breve análise sobre nossa história, narrando o surgimento e um
pouco de relatos que são amplamente difundidos, podemos compreender de
forma clara o fundamento essencial da Umbanda, calcada no acolhimento
sem distinção, na humildade, na sabedoria e na simplicidade.
É claro que não terminou aí a sua história, pois passou-se,
posteriormente, para a fase de sua divulgação e propagação (que se
perdura até os dias atuais), mas esse fato analisaremos posteriormente.
O que quis enfatizar nesse primeiro momento, foi a fundação e seu
surgimento, suas datas (até que se tornou lei em nosso ordenamento), seu
fundador, suas ideologias pautadas na caridade sem distinção,
acolhimento de encarnados e desencarnados, os reconhecendo como
legítimos irmãos, humildade e simplicidade.
Isso são fatores primordiais e que pairam sobre nossa religião e em
nossa conduta, que JAMAIS pode ser diferente, ou melhor, contradizendo o
postulado do Caboclo Sete Encruzilhadas.
Friso aqui que, muito embora a fundação tenha se dado no dia 16 de
Novembro de 1908, a data de anunciação foi dada, por força de Lei
Federal, como Dia Nacional da Umbanda (Lei 12.644, de 16 de Maio de
2012), sendo uma grande conquista a todos nós.
Aqui encontra-se um pouco de nossa história, a qual ainda não
encerramos. Na próxima publicação abordaremos a manifestação do Orixá
Malê e as Tendas que foram fundas pelo Caboclo Sete Encruzilhadas, fatos
importantes para nossa doutrina.
Agora, apenas para melhor fundamentar a primeira “lei” de nossa
religião, trago a baila o minister do Pai Rubens Saraceni que diz em seu
livro:
“…seus iguais e não seus semelhantes. Iguais porque,
independentemente de qualquer diferenciador, somos humanos, e se o
verdadeiro humanismo imperar em nosso íntimo, não cometeremos injustiças
de pré-julgar ninguém em função de suas origens e formações. E muito
menos, não vemos os mais ou menos necessitados. Não privilegiamos uns em
detrimento de outros. Não excluímos médiuns “iletrados” em benefício
dos mais “estudados”, e entenderemos o modo de ser, de falar, de se
vestir e de se relacionar de todos os que adentram nos centros de
Umbanda”.
Saraceni, Rubens. Fundamentos Doutrinários de Umbanda. 01 ed. São Paulo. Madras, 2012.
Espero que esse ensinamento de Pai Rubens, coadunado com o do Caboclo
Sete Encruzilhadas, possa lhe trazer reflexões sobre nossas condutas,
muitas vezes, erradas.
Aqui está uma parte de nossa história e espero ter sido claro na
explanação. Espero ainda que tenha despertado a ânsia de estudo em vocês
e sanado dúvidas daqueles que não a conheciam.
Axé, Saravá!
Pai Igor Luís de Camargo.
O blog Doutrina Umbandista tem como objetivo levar o conhecimento do Culto da Umbanda a seus adeptos e simpatizantes, além de ser uma forma de divulgar a doutrina àqueles que pouco conhecem nosso ritual.
Quem sou eu
- Doutrina Umbandista
- Sacerdote de Umbanda, formado pelo Templo de Umbanda Caboclo Sete Flechas, Ogã formado pelo Templo de Umbanda Cacique Pena Branca, Sócio - Filiado ao Superior Órgão Internacional de Umbanda e dos Cultos Afro e Coordenador Regional do SOI em Amparo/SP
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